quarta-feira, 19 de junho de 2013

O polêmico debate sobre a "Cura Gay"

"No diálogo entre ciência e religião nós temos notado um crescimento, mas na prática não tem sido muito fácil”.

A causa gay passa por um momento de ampla discussão em vários países. Recentemente, a França aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que gerou revolta por parte dos contrários a decisão. No Brasil, o tema ganhou força depois que o presidente da Comissão dos Direitos Humanos, o pastor Marco Feliciano, levantou a bandeira contra a união dos homossexuais. Inclusive, definindo esse desejo como doença. Tema que será discutido essa semana na comissão. O fato é que os homossexuais existem e precisam ter seus direitos discutidos. No Brasil, país mais católico do mundo, a religião não poderia ficar de fora do debate polêmico. Para tratar desse assunto, apresentamos uma entrevista com o padre, pesquisador e professor universitário Alexander Mello Jaeger. Ele pertence à Diocese de Frederico Westphalen, mas trabalha em Passo Fundo desde 1991. Tem formação em Filosofia, mestrado em Teologia e atualmente desenvolve sua tese de Doutorado. É professor de Teologia Dogmática, que se trata do estudo de todos os temas Teológicos fundamentais da fé. Também ministra aulas de Filosofia da Religião e Introdução ao Pensamento Teológico, além de desenvolver trabalhos pastorais na paróquia da Vila Fátima.


O que o senhor pensa sobre o casamento gay?

Alexander – Penso que quando falamos em casamento estamos tratando de uma instituição que precisa ser bem definida. Entendo que o casamento precisa ter algumas funções contempladas, entre elas está a possibilidade de procriação. E isso não é possível no casamento homoafetivo, somente a adoção. Depois nós temos o aspecto da complementariedade de pessoas onde está ligada à afetividade, isso sim é possível. Mas também dentro da concepção de casamento está o conceito de família, que não sua forma psicológica e biológica está orientada para o equilíbrio entre o masculino e o feminino. Então o termo casamento para as uniões homoafetivas eu considero inapropriado. Agora, reconhecer a união para outros fins como partilhas de bens, de questões de saúde, isso sim. Ou seja, o reconhecimento da união de fato. A sociedade deve dar todo o aparto jurídico.

 Há condenação clara na Bíblia para esse tipo de prática sexual?

Alexander – Há uma condenação explícita, inclusive com palavras fortes, definindo como graves depravações. Mas quando nós pegamos trechos bíblicos é preciso prestar atenção porque são livros escritos há mais de dois mil anos. No antigo testamento, antes mesmo de Cristo, se prevê inclusive condenações a morte por essa prática. Os textos bíblicos precisam ser lidos no contexto em que foram escritos e dentro das condições do que se entendia naquela época e há muitas coisas que hoje nós conseguimos explicitar melhor. Com relação à homossexualidade ainda não temos uma definição clara da ciência, nem genética, biológica ou psicológica. Hoje não nos dão certeza do comportamento ou da constituição de uma pessoa homoafetiva, portanto é algo que prevalece com várias hipóteses científicas, mas com alguns aspectos de consenso. Por exemplo, aqueles que geneticamente nascem com dois órgãos genitais ou que tem a produção hormonal diversa, ou ainda que possuam uma educação familiar ou cultural dentro dessa linha. Por isso que as religiões também caminham conforme as descobertas científicas. Tome como exemplo a ideia de que terra é o centro do universo. Ninguém mais diz que o sol gira entorno da terra, mesmo que isso esteja escrito na Bíblia. Pois sabemos por meio de descobertas que é a terra que gira entorno do sol. Na medida em que coisas são definidas, ocorrem mudanças comportamentais e de postura. Os textos não são mais lidos, principalmente pelo catolicismo, de forma literária, mas sim com análise contextualizada.

Se tratando de alterações de comportamento, o senhor não acha que essa campanha midiática em favor da liberdade sexual pode incentivar até os que não possuem essa orientação?

Alexander – Eu vejo pouca incidência para o incentivo da prática. Penso que existe aquela curiosidade natural do ser humano dentro de uma sociedade de várias experiências, onde poderá acontecer buscar por experiências nessa área. Mas as pessoas se definem dentro daquilo em que elas se sentem melhor. Hoje nós temos menos discriminação, mas mesmo assim o preconceito é grande mesmo que haja propaganda em favor dessa liberdade. Acredito que essa ideia ainda não entrou na consciência das pessoas. O problema é quando não se tem explicação, então na medida em que houver explicação mais clara, racional e com fundamentação a aceitação vai ocorrendo. As pessoas se perguntam se isso é normal ou não? E no momento não há resposta.

Isso quer dizer que a Igreja tem buscado comprovações científicas para defender suas crenças?

Alexander – É preciso diferenciar as igrejas e comportamentos. As igrejas clássicas, históricas, com mais de quinhentos anos, elas tendem hoje a dialogar mais com a ciência e vise versa. Mas existem posturas de ordem de fé que a ciência não possui capacidade para definir. Por exemplo, o respeito a vida. Isso se dá por uma postura ética, moral e religiosa, e não por uma posição cientifica. A ciência constata onde há vida, mas não como devemos agir com essa vida. Se ela pode ser manipulada ou não. Portanto essa área está ligada mais a filosofia, da ética ou das religiões. Por isso vejo que a religião tem coisas importantes a dizer a sociedade, coisas inalcançáveis pela ciência. No entanto, as religiões não podem interferir nas questões de exclusividade cientifica, como é o caso da descoberta de como as coisas são e funcionam. No dialogo entre os dois segmentos nós temos notado um crescimento, mas na prática não tem sido muito fácil. Justamente por muitas vezes o pensamento cientifico se achar capaz de dar explicação a toda a realidade, como muitas vezes o pensamento religioso se considera capaz de dizer toda a verdade.

Nós estamos passando por um momento de ampla discussão sobre a aceitação do homossexual na sociedade. O pastor e deputado Marco Feliciano, que preside a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara, está propondo a discussão do projeto que prevê a “cura gay”. O senhor é a favor dessa discussão?

Alexander – Sou a favor da discussão. A retirada da questão da cura gay é algo que no mundo da psicologia não está tranquila. Nós teríamos que perguntar para a psiquiatria e psicologia se eles estão de acordo com o fato de que não existe reversão. Nós sabemos que este tipo de decisão são todas de ordem política. Inclusive quando o Conselho Nacional de Psiquiatria dos Estados Unidos retirou a homossexualidade da lista das doenças, foi uma decisão política, então uma decisão na ordem de base científica. Eu penso que é necessária a discussão. Não estamos falando se deve ou não haver a cura gay, mas sim que haja uma ampla discussão sobre o tema, sem interesses políticos. Os direitos dos homossexuais devem ser dados. Assim como os direitos de pensamento de quem é contra. Mas sendo contrário não te dá o direito de bloquear sua existência na sociedade. Na minha área privada, por exemplo, eu tenho o direito de não me relacionar com homossexuais. Mas em espaços públicos o direito é igual para todos. Essa consciência precisa ser criada independente da revelação científica do que se trata a homossexualidade. Portanto penso que as duas discussões precisam ser realizadas, de como garantir os direitos do homossexual na sociedade, mas que ao mesmo tempo não se defina de maneira dogmática, dizendo que isso é ou não doença, quando na verdade ainda não existe comprovação científica. Isso daria fim a qualquer discussão. Se for definido na ordem política, temos muito a perder.

Já existem igrejas gays. O senhor tem conhecimento da doutrina religiosa que elas pregam?

Alexander – Sim. A igreja gay é uma forma de definir uma associação, ou seja, um grupo que se reúne e tenta vivenciar a transcendência na sua condição de pessoas de orientação homossexual. As que são cristãs fazem uma leitura específica da Bíblia. Já li alguns textos de pastores que pesquisam nessa área. E não só no mundo cristão, mas também no judaico onde se prega o judaísmo liberal dentro de grupos específicos de gays. Inclusive, em Los Angeles, existe um festival de cinema gay judaico religioso, onde trata dessas questões de uma forma respeitosa, não tem nada a ver com pornografia. E sim, tratando das temáticas das relações homoafetivas e religião judaica. E isso nós vamos encontrar em muitas situações. Essas igrejas buscam uma releitura dos textos bíblicos onde se consiga viver essa condição e experimentar a vida da espiritualidade. Isso quer dizer, que as pessoa homoafetivas não estão afastadas de Deus, da possibilidade de manifestar uma religião. Eu penso que todas essas experiências, quando não são consideradas absolutas e estão dentro de um processo de dialogo, todas contribuem para nós chegarmos a uma verdade cada vez mais plena. O problema é quando se cria grupos antagônicos, que existem para uma espécie de disputa com outros grupos religiosos. Então esse tipo de embate não traz crescimento.

Assuntos de ordem religiosa são seguidamente explorados pela imprensa. Como o senhor vê a qualidade do trabalho jornalístico nesse sentido?

Alexander – A imprensa brasileira de forma especial não conhece as religiões. Quando eu ouço falar do catolicismo, minha área de estudo, é impressionante o desconhecimento, a ignorância. Eu vivi um tempo em Roma e lá existem jornalistas, chamados de vaticanistas, que se dedicam ao estudo da teologia para entender o assunto. A Igreja Católica não é uma coisa simples. Ela tem um código de direito canônico considerado um dos mais perfeitos do mundo. O próprio direito brasileiro se baseia no código canônico. Para entender a complexidade da Igreja é preciso conhecer muito. Às vezes nem padres e irmãs entendem essa complexidade. Por isso, falta aprofundamento na imprensa para abordar esse tema.

Fonte: http://www.upf.br/comarte

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