quinta-feira, 13 de junho de 2013

As manias de cada um: até onde tolerar?

Em um casamento, o homem e a mulher não são (e nunca serão) duas almas iguais. Mas sim, almas que se complementam. Viver em comunhão pelo sacramento do matrimônio é sim um desafio que a convivência mútua trás para todo sempre.
Até que ponto devemos tolerar as "manias" de cada um e até que ponto devemos cobrar mudanças de nosso cônjuge?
O texto abaixo trata desse importantíssimo assunto. O reproduzimos com muito carinho para propiciar mais esta reflexão.

Não existem estratégias de sucesso para superar crises conjugais. O desencontro de prioridades e de interesses pode ser inofensivo ou levar ao divórcio. Religiosidade, dedicação profissional, hobbies, quase tudo motiva desentendimentos por vezes fatais ao relacionamento. Se não dá para se divertir com as manias do outro, também não se deve só cho­rar por elas. E preciso aprender a conviver.
Após o nascimento da filha Larissa, a fé e a igreja passaram a ocupar um grande espaço na vida do servidor público Enos Loures, 51 anos. Educado em um lar evangélico, ele conta que Larissa despertou um senso de responsabilidade que até então não havia sentido. Voltou a lembrar os ensinamentos que recebeu dos pais e resolveu retomar com afinco a religiosidade. "Eu havia me afastado da igreja porque estava deslumbrado com as belezas do mundo”, explica.



Vivendo um casamento feliz há 14 anos, a esposa Maíza Ribeiro, tam­bém servidora pública, 43 anos, começou a se preocupar com as altera­ções no comportamento de Enos. A rotina do casal mudava radical­mente a cada dia. As refeições eram precedidas de orações. A leitura da Bíblia passou a ser um hábito do marido. A vida social desapareceu. E o fato de Maíza ser espírita motivou cada vez mais discussões.
Entristecida com a situação, Maíza radicalizou e resolveu procurar o pastor da igreja que Enos freqüenta, e reclamar com aspereza: "Que reli­gião é essa que separa um casal que se ama?" Diante dos argumentos de Maíza, o pastor reconheceu que Enos poderia estar exagerando em al­guns aspectos e prometeu conversar com ele. A interferência surtiu efeito. Após uma longa conversa, o casal resolveu se empenhar para manter o casamento, respeitando as diferenças. "Eu acredito que com amor tudo será superado", aposta Enos. Maíza concorda: "Nós temos uma vida perfeita. Enos é carinhoso e atencioso. Estamos tentando contornar a dificuldade e vamos conseguir".

O psicanalista Gley Costa explica que o equilíbrio do relacionamento conjugal se estabelece tendo em um dos pratos da balança a individua­lidade e no outro a tolerância as diferenças, inevitáveis. "Qualquer ex­cesso pode comprometer a estabilidade do casamento, cujo resultado e o desencadeamento de uma crise conjugal." Gley ressalta que em mui­tos casos o surgimento de novas exigências no casamento, como o nas­cimento de filhos, doenças, envelhecimento e perda de posição social ou econômica, podem acarretar mudanças no relacionamento conju­gal e o aparecimento defensivo de outros interesses.

CONCORRENTE VIRTUAL

A 'quadrada', apelido que a, estudante Caroline Duarte, 23 anos, colo­cou no computador do marido, era uma concorrente direta. As horas diárias que Rodrigo dedicava à internet, aos jogos, aos trabalhos de fa­culdade, ao bate-papo virtual, à busca de informações sobre carros in­comodavam Caroline. "Ele só queria ficar no computador, e eu comecei a achar essa situação um absurdo. Se ele tivesse um notebook, levaria até para a cama. Isso dominava as discussões", conta Caroline.
Por vezes, a estudante usava a compenetração do marido em bene­fício próprio. "Eu avisava que ia fazer uma compra no cartão de crédi­to e ele respondia com 'hum, hum' básico, nem escutava. Quando chegava a fatura, e ele reclamava, eu dizia: 'eu avisei, mas você estava aí com a quadrada...” '.


 Hoje, com cinco anos de casamento, a crise foi superada e o assunto virou motivo de brincadeira. A saída encontrada foi estabelecer um acordo, estipulando limites. Além disso, agora Rodrigo faz de tudo para atrair a atenção da mulher para o computador. Baixa filmes e músicas pela internet para agradá-la. "Cada um cedeu de um lado, sem se anu­lar. Eu só queria um pouco mais de atenção" diz Caroline, que ressalta: "Um notebook, nem pensar".
Para o psicólogo Márcio Roberto Regis, o casal pode aproveitar o mo­mento de crise para trocar idéias e refletir sobre as razões que levaram ao desgaste do casamento. "Não se pode pensar no casamento sem desafios e, principalmente, como se ele fosse igual ao que era há 10 ou 20 anos" diz.

TRABALHO EM EXCESSO

Cerca de 22 horas de trabalho diárias. Esse foi maior obstáculo à manu­tenção do casamento de Jeilton Alves, 26 anos, assistente administrativo. Jeilton trabalha oito horas durante o dia, faz faculdade à noite e dá plan­tão em uma outra empresa após as aulas. Para agravar o quadro, assume serviços extras nos finais de semana como reforço ao orçamento. Restava pouco tempo para dar atenção à mulher e à filha.




Para Jeilton, a luta por independência financeira e para garantir melhores condições de vida à família justificava o excesso de trabalho. Mas a rotina causou conflitos. A mulher dele se queixava da falta de tempo para a família. "Eu me sentia culpado de alguma forma, mas a questão financeira pesava mais. Dizia que estava me sacrificando agora para garantir um futuro melhor para elas" conta Jeilton.
Certo dia, no limite do cansaço e do estresse, ele recebeu uma mensagem da esposa pelo celular: "Será que R$ 50 fazem diferença para a gente?" 0 texto foi a gota-d'água. 0 casal ainda tentou contornar a crise, mas a situação havia chegado ao limite. Jeilton saiu de casa. Hoje eles ainda ten­tam se acertar, têm uma filha e ainda se gostam. No en­tanto, a exigência feita pela família para que Jeilton deixe um dos empregos afasta a chance de uma reconciliação.
Para o psicanalista Gley Costa, não existem receitas para um relacionamento conjugal feliz. Mas é possível destacar características comuns para manter a harmonia.


OS MANDAMENTOS DE UM CASAMENTO HARMONIOSO

1. Evite se envolver em conflitos relacionados com os parentes dos cônjuges. Grande parte dos desajustes conjugais decorre de problemas de dependência.

2. Concilie a vida em comum com a individual. Embora marido e mulher compartilhem grande parte do seu tempo, afeto e interesses, e indispensável que cada um seja ser o complemento e não uma extensão do outro.

3. Mantenha uma vida sexual ativa, desinibida, criativa e prazerosa. O relacionamento sexual representa a parte mais vulnerável da relação conjugal.

4. Reconheça que o casamento não é um "mar de rosas" e que os conflitos são inevitáveis. Essa atitude possibilita ao casal se tornar participante e observador do próprio relacionamento, corrigindo as dificuldades.

5. Alimente a idealização inicial do relacionamento. Cada um deve se esforçar para conservar o desejo e a admiração do outro, e ajudar o parceiro a manter a auto-estima, reconhecendo que o envelhecimento físico e progressivo e inexorável.

6. Verbalize de forma clara as expectativas e insatisfações. Muitos casais esperam ser compreendidos, e se frustram quando isso não ocorre.

7. Seja cúmplice do parceiro. O casamento deve ser um lugar seguro para o amor, o ódio, o conflito, a dependência, o "prazer proibido", o fracasso, o sucesso, a decepção, a alegria, a tristeza e, principalmente, o envelhecimento.

8. Crie um espaço de interação social, tom a participação de amizades anteriores ao casamento e das adquiridas posteriormente.

9. Alargue a relação para incluir os filhos, sem permitir que a presença deles comprometa a intimidade do casal.

10. Transforme o casamento em uma relação alegre e divertida. Embora envolva compromissos e renuncias, o relacionamento deve representar uma fonte de felicidade. O tédio é o pior inimigo do casamento.

INTOLERANCIA = SEPARACAO PRECIPITADA

Para a psicoterapeuta e sexóloga Mabel Cavalcanti, muitas vezes a obsessão pelo trabalho pode atingir casais jovens. "Quando eles des­cobrem que ainda há tempo para evoluir, passam a gastar toda ener­gia para alcançar esse objetivo", avalia Mabel. A falta de tempo para se dedicar a família afasta o parceiro, que pode não suportar a carên­cia. "Tudo o que for unilateral vai causar prejuízo ao casamento", ex­plica a terapeuta, que acredita no dialogo e na negociação como as melhores alternativas para essas situações.
Mabel ressalta que hoje busca-se qualidade de vida e não quanti­dade de anos nos casamentos. Ela acredita que muitas vezes as sepa­rações são precipitadas, mas que essa precipitação ocorre desde o momento em que as pessoas se conhecem. "Hoje pulam-se etapas. Não se avalia o somatório de valores para saber se o relacionamento pode dar certo", diz a terapeuta.
Ela acredita que, em alguns casos, a terapia de casal pode ser uma boa indicação. Um dos pressupostos do método é ensinar a dialogar. "Alguns parceiros dizem que sempre falam a verdade, mas fazem isso de forma errada", explica. Para a terapeuta, se a conversa começa com a frase: "Você não me entende" ou "você fez isso errado", a capa­cidade de diálogo já esta comprometida. É preciso usar o pronome pessoal "eu" e assumir as responsabilidades.

 
Matéria de Érica Andrade – Da equipe do Correio
Fonte: Revista do Correio – Correio Braziliense. Domingo, 13 de novembro de 2005. ano1. número 26

Nenhum comentário: