quinta-feira, 3 de outubro de 2013

As diferenças "cerebrais" entre o homem e a mulher

Você pensa como homem ou como mulher? Cadê seu órgão sexual? Não, não aquele. A resposta pode estar mais em cima, no cérebro.

Assim como homens e mulheres são visualmente diferentes, suas estruturas cerebrais também têm peculiaridades próprias. Cada um dos sexos tende a usar o cérebro de modos distintos para, por exemplo, achar caminhos no trânsito, desengavetar lembranças, trocar idéias com amigos ou fazer compras. As diferenças entre o cérebro masculino e o feminino são, ao lado de fatores culturais, responsáveis por aptidões mais tipicamente masculinas ou femininas. É o que acreditam pesquisadores como o psicólogo Simon Baron-Cohen, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido e o neurologista Matthias Riepe, da Universidade de Ulm, Alemanha.

 O cérebro feminino, por exemplo, tende a ser mais organizado para dar conta da linguagem. Mulheres costumam se dar melhor em testes de fluência verbal. Elas têm, por exemplo, mais facilidade em recordar uma lista de palavras começando com a mesma letra.


 Na orientação espacial, ponto para os homens. Na média, o sexo masculino tem também mais facilidade em visualizar objetos em rotação, identificar figuras geométricas escondidas num desenho mais amplo, calcular distâncias e velocidades. E, como os macacos machos, os homens são mais precisos em acertar objetos em determinado alvo.

 Já a coordenação motora fina é melhor entre as mulheres. Elas também têm mais facilidade em identificar com rapidez figuras idênticas entre imagens semelhantes ou perceber se determinado objeto foi removido do lugar. O sexo feminino costuma ser melhor em testes de associações de idéias – fazer uma lista de objetos com a mesma cor, por exemplo.


 Diferenças à parte, ninguém é menos inteligente. Nos testes de QI, homens costumam ir melhor nas questões relacionadas à inteligência não-verbal; e mulheres, nas de inteligência verbal. Na média, porém, o QI feminino e o masculino são os mesmos.

 Não faltam estudos que apontam diferenças no cérebro masculino e feminino. Em relação à linguagem, por exemplo, uma pesquisa da Universidade Yale, nos Estados Unidos, mostra que as mulheres processam as informações nos dois lados do cérebro, geralmente com predominância do esquerdo. Já os homens tendem a utilizar só o hemisfério esquerdo e nada mais. Essa diferença ajuda a explicar o melhor desempenho feminino na linguagem verbal. Nas tarefas relacionadas à orientação espacial, também há variações. Apenas os homens utilizam de forma significativa os dois lados de uma região cerebral chamada hipocampo – possível explicação para a vantagem masculina.

 “Homens e mulheres têm cérebro organizado de formas diferentes“, afirma o neurologista Matthias Riepe, da Universidade de Ulm, na Alemanha. “Isso pode parecer estranho do ponto de vista social, mas é completamente natural do ponto de vista neurológico.” 

 Quer dizer, então, que homens são de Marte e mulheres de Vênus? “Não, são todos da Terra“, ironiza o psicólogo Simon Baron-Cohen. Afinal, as diferenças não são tão extremas assim, afirma em seu livro “The Essencial Difference” (A Diferença Essencial), lançado neste ano no Reino Unido. “As variações são estatísticas, mas cada indivíduo é diferente.” Claro que há mulheres excelentes em matemática e homens com enorme habilidade verbal, exemplifica.

 Mas para Baron-Cohen, há uma diferença básica entre a média dos homens e das mulheres. Pelo seu raciocínio, homens tendem a ter mais habilidade na sistematização. Ou seja, têm o cérebro mais bem estruturado para entender sistemas baseados em regras rígidas de causa e conseqüência. Daí a maior habilidade masculina nas ciências exatas e na orientação espacial.

 No cérebro feminino, a marca é a empatia. “Mulheres tendem a ter mais facilidade em identificar emoções alheias e em responder de forma apropriada.” Para Baron-Cohen, a empatia é estreitamente associada à habilidade verbal. Um fator é ao mesmo tempo causa e conseqüência do outro. 



Os extremos se encontram 

 Na classificação do psicólogo, há também o cérebro misto, com igual dose de habilidade para empatia e sistematização. Para corroborar suas idéias, Baron-Cohen criou dois questionários, um para avaliar o grau de empatia e outro, para o de sistematização.

 Mulheres costumam fazer mais pontos no primeiro, feito de perguntas como: “eu sei quando entrar numa conversa?” ou “consigo prever o sentimento dos outros?“. Na média os homens têm melhor resultado no questionário de sistematização, com perguntas que avaliam, entre outras coisas, o grau de entrosamento social e de interesse sobre o funcionamento das coisas.

 Mas não faltam críticos às idéias do britânico. “O teste é ultrapassado, esteriotipado e preconceituoso“, dispara o psiquiatra Luiz Cuschnir, coordenador do Gender Group do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e do Centro de Estudos de Identidade do Homem e da Mulher. “O teste é baseado em referenciais que não existem mais“, diz. Para ele, a conciliação entre sistematização e empatia é regra, não exceção.

 Outro que vê a teoria com reservas é o neurofisiologista Renato Sabbatini, diretor do Núcleo de Informática Médica da Unicamp. “Essa generalização não testa a verdadeira contribuição do cérebro em adultos, uma vez que a influência ambiental é fundamental“, diz ele. “A gente não consegue escapar da cultura.”

 O peso da biologia 

 Cohen rebate: “Claro que a cultura é importante, mas não se pode desprezar os aspectos biológicos. Nos anos 70, a tendência era resumir todas as diferenças entre os sexos à cultura. Mas, com o avanço da tecnologia para obter imagens do cérebro, hoje se sabe que não é assim.”

 Para ele, um dos principais responsáveis pelas diferenças entre os dois sexos é o hormônio masculino testosterona. Segundo algumas teorias, quanto maior o nível da substância nos fetos, maior o desenvolvimento do lado direito do cérebro, tradicionalmente relacionado à inteligência espacial. É por isso que, ainda no útero, o hemisfério direito dos meninos se desenvolve mais rapidamente que o esquerdo. Para Baron-Cohen, é justamente aí que está o ponto de partida da vantagem masculina na sistematização. 

Também por isso, diz ele, as mulheres tendem a ter mais habilidade relacionada à linguagem. Afinal, se nos fetos machos o lado direito se desenvolve mais, o esquerdo, associado à linguagem e à comunicação, fica atrás na comparação com as meninas.

 Em relação à linguagem, as mulheres têm outra vantagem sobre os homens. Para se comunicar, além do lado esquerdo – nesse caso, predominante -, também usam o hemisfério direito.

 Para Baron-Cohen, uma das explicações para os homens usarem apenas o lado esquerdo para funções lingüísticas poderia ser que, no sexo masculino, o lado direito estaria ocupado com tarefas relacionadas à inteligência espacial e à sistematização. Já as mulheres teriam mais espaço disponível no hemisfério direito para processar também informações lingüísticas.


 Para testar a teoria do impacto hormonal sobre o funcionamento do cérebro, Baron-Cohen mediu o nível de testosterona pré-natal de um grupo de crianças de Cambridge. A dose do hormônio veio do líquido amniótico da barriga das mães. Depois de apurar o nível hormonal das crianças, a equipe da Universidade de Cambridge avaliou o vocabulário de cada uma por meio de um questionário respondido pelos pais.

 Com um ano e meio de idade, as meninas, com menor dose hormonal, usavam em média 86 palavras. Os meninos usavam 41. Após seis meses, a vantagem feminina continuava: seu vocabulário médio, de 275 palavras, superava em 40% o dos garotos, de 196. O estudo revelou também diferenças entre crianças do mesmo sexo: quanto maior o nível de testosterona nos fetos, menor o vocabulário. Ao completar quatro anos, voltaram ao laboratório para a equipe avaliar a diversidade de interesses.

 Na média, os meninos se interessavam por menos assuntos. Entre as crianças do mesmo sexo, quanto maior o nível de testosterona fetal, menor o leque de interesses. E quanto mais restritos os interesses, acredita Baron-Cohen, maior a facilidade para sistematização, que depende em parte de especialização.

 O nível de testosterona também influencia a inteligência espacial. Em testes para avaliá-la, tende a se sair melhor quem tiver maior nível do hormônio, tanto mulheres como homens. É o que revela estudo de Doreen Kimura, do Departamento de Psicologia da Universidade Simon Fraser, no Canadá.

A situação não é muito diferente entre ratos. Para encontrar a saída num labirinto, as fêmeas demoram mais que os machos. A desvantagem acaba, porém, com uma injeção de testosterona nas ratinhas. Ao contrário, machos sem hormônio empatam com as fêmeas. Em outro teste, fêmeas de macacos que receberam testosterona adotaram comportamento típico de machos, como simular brigas com os companheiros – atitude que, segundo Baron-Cohen, reflete menor grau de empatia.

 Também os hormônios femininos podem influenciar comportamentos, diz Cohen. Ele conta que, nos anos 50, uma forma de estrogênio sintetizada, o dietilestilbestrol, era receitada a mulheres para evitar abortos. O hormônio não mostrou eficácia para impedir o fim da gravidez. Mas teve outro efeito. Os meninos nascidos após o tratamento tendiam a gostar de atividades femininas, como brincar de boneca.

 Mas onde está a origem das diferenças biológicas entre os cérebros de cada sexo? Baron-Cohen aposta na evolução da espécie: nossos ancestrais tinham papéis bem definidos na comunidade, que exigia habilidades específicas. Para os homens, quanto maior a orientação espacial e habilidade para produzir armas – fatores associados à sistematização -, maiores as chances de sucesso na caçada. Tolerância à solidão era outro fator favorável às longas empreitadas masculinas. Bons caçadores aumentavam a chance de sobrevivência e de ascensão social. Quanto maior sua posição no grupo, maior seu acesso às mulheres e mais descendentes para espalhar seus genes.


 Mas não só o talento para caça ajudava os homens a ganhar status na comunidade. O mesmo valia para maior dose de agressividade e menor grau de empatia, muitas vezes necessários para derrotar adversários, diz Cohen. Quanto às mulheres, os requisitos eram outros. Maior empatia e habilidade para comunicação ajudam não só a cuidar dos filhos como a conseguir ajuda no grupo para tomar conta das crianças, fatores essenciais para a sobrevivência da prole.


 Então as diferenças cerebrais viriam dos genes de nossos ancestrais? Para o psicólogo John Gabrieli, da Universidade Stanford, nos EUA, a resposta não é tão simples. Ele ressalta que as diferenças cerebrais não têm necessariamente origem genética. “Algumas pessoas acham que homens e mulheres nascem com o cérebro de certa forma. Embora seja apenas uma possibilidade, as variações biológicas podem ser resultado de fatores sociais.”

 Um exemplo do raciocínio está nas ruas de Londres. Para ser taxista, é preciso ser aprovado num rigoroso teste de conhecimento das ruas e rotas da capital britânica. Em média, cada profissional estuda dois anos para a prova – período em que o hipocampo ganha um tamanho maior, segundo estudo da University College London. Sinal de que o cérebro também se adapta para dar conta de suas tarefas.

Fonte: Revista Galileu – Edição 144 – Jul/03

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